quinta-feira, 8 de julho de 2010

Uma nova visão do associativismo patronal

O Presidente da Direcção da CIP, António Saraiva, foi o convidado de honra da Associação Comercial do Porto na cerimónia de tomada de posse dos novos membros dos órgãos sociais da referida Associação, a qual teve lugar no passado dia 21 de Abril, no Palácio da Bolsa, no Porto.

Tendo em conta o significado e a notável riqueza das palavras proferidas pelo Presidente da CIP, publica-se nas linhas subsequentes o mencionado discurso, o qual foi entretanto também publicado na edição n.º 188 da revista “TecnoMetal”.

“É costume iniciar os discursos com a declaração solene de agradecimento ao dono da casa pelo convite e de grande satisfação pessoal por estar aqui convosco, no dia em que a Associação Comercial do Porto elege os seus novos Corpos Sociais.
É também assim que vou começar, mas hoje com uma nota muito especial: desta vez e nesta oportunidade, sinto que estou junto daqueles que, como o Vosso Presidente – pessoa que muito admiro e de quem sou amigo de longa data – e como todos Vós aqui presentes, vêem nas Associações um veículo para representar os nossos interesses, organizar as nossas vontades, defender as nossas causas.
É disso que verdadeiramente se trata quando se discute o associativismo e é precisamente de associativismo que gostaria hoje de falar convosco.
Ainda mais porque estamos na casa da mais antiga Associação empresarial portuguesa, que é herdeira da Juntina, a congregação que nos finais do Séc. XVIII reunia os homens de negócios do Porto para defesa dos seus interesses.
Ligada ao Porto e ao Norte, a Associação Comercial do Porto sempre manteve a sua marca identitária original, agregando as vontades e as expectativas dos empresários e homens de negócios do Norte.
É uma matriz expressiva e marcante, que tem de comum associar as motivações de pessoas que são, simultaneamente, homens de negócios e têm as suas raízes e os seus interesses implantados no Porto.
Esta é, aliás, a primeira razão de ser do associativismo.
Unir o que há de comum, partilhar o que nos liga, valorizar o que podemos fazer em conjunto, assumir que a soma das partes cria poder e aumenta a influência de cada um de per si.
Pouco importa se o que nos liga são os negócios, as profissões ou as regiões.
O que importa é que se saiba o que nos move e a causa comum que temos a defender.
Mas importa também saber porque nos unimos, porque escolhemos as causas, porque escolhemos quem as lidera.
O tema sobre o qual queria propor-vos uma reflexão é precisamente o do associativismo e, de entre este, o associativismo empresarial.
Mas por que razão uns de nós assumem as lideranças e recebem a confiança dos seus pares?
E por que razão outros de nós entendem que devem confiar nos líderes para conduzirem e representarem os seus interesses?

E, finalmente, por que razão aqueles que representam interesses diferentes dos nossos entendem que devem ouvir as nossas posições e tê-las em conta?
As explicações não são meramente filosóficas ou mesmo sociológicas. Assentam no princípio de que o homem é um ser social e resultam da própria organização das sociedades.
Aristóteles dizia que “o homem é por natureza um animal social, porque, se não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade. Agora é evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social. Como costumamos dizer, a natureza não faz nada sem um propósito”.
É este sentido social que nos move e nos organiza em torno das Associações.
Na generalidade dos países da Europa Ocidental e em diversos outros países das mais variadas regiões do globo, as organizações associativas empresariais assumem um papel incontornável na definição da estratégia do respectivo país.
Tudo o que se relaciona com a actividade económica do país, passa necessariamente pelo crivo das organizações que representam as empresas. E sempre que se discutam matérias estruturantes e verdadeiramente estratégicas, são os próprios Governos que procuram legitimar as decisões finais envolvendo de forma substantiva as organizações de cúpula. É isto que se passa na Alemanha, na França, na Itália ou na própria Espanha.
Infelizmente, o paradigma português é neste âmbito muito diferente.
E permito-me sugerir que as razões de tal diferença estão muito bem identificadas.
Para além de outras provavelmente menos importantes, há essencialmente três causas a que gostaria de fazer referência: individualismo, divisionismo e paternalismo.
Quanto à primeira – o individualismo - é óbvio que os empresários portugueses reflectem as mesmas características que são apanágio da generalidade dos seus compatriotas. Além de terem dificuldade em cooperar uns com os outros, padecem genericamente de falta de cultura associativa. Infelizmente, é esse o nosso código genético. Mas o certo é que, em resultado disso, o nosso tecido associativo acaba por ser mais fraco do que o desejável.
Como se não bastasse esta nossa debilidade intrínseca, acresce ainda um outro factor que perturba claramente a força e a coesão do nosso movimento associativo: o divisionismo.
Com efeito, temos uma tendência irreprimível para dispersar os nossos esforços na criação de organizações paralelas. Isto é desde logo assim ao nível das próprias Associações, onde não só se insiste em manter mais do que uma Associação em cada sector de actividade como também se persiste em fomentar sobreposição de esforços e iniciativas, nomeadamente em consequência de não haver uma fronteira nítida e clarificadora entre as competências das associações sectoriais e as das associações regionais.
Mas mais grave ainda é, pelas suas próprias consequências, o que se passa ao nível transversal.
O nosso país será provavelmente o único que, por razões que agora não importa dissecar, tem, a par das verdadeiras confederações, outras grandes associações multi-sectoriais com implantação nacional.
Assim, em inúmeras matérias, acabamos todos por ficar confundidos com vozes dissonantes e divergentes, com as confederações e as associações multi-sectoriais a intervirem separadamente a propósito do mesmo assunto.
Essa imagem de divisão no movimento associativo enfraquece-o ainda mais. E torna mais débil a representação dos interesses da indústria, do comércio, da agricultura ou do turismo.
A par das duas causas já expostas – o individualismo e o divisionismo - ocorre ainda a questão do paternalismo.
Também esta é uma questão verdadeiramente endémica no nosso país.
O Estado português, no seu todo, é estruturalmente paternalista.
E os cidadãos portugueses, por seu turno, são habitualmente dominados pela tentação de se deixarem embalar pelo pulso forte do Estado que alegadamente tudo sabe e resolve.
Mas, neste nosso contexto, a situação é ainda mais grave. A falta de cultura associativa e a ausência de verdadeiros hábitos de liberdade fez com que o Estado se habituasse a decidir em matérias que deveriam ser da competência das pessoas, das empresas e das associações. Essa tendência asfixiante do Estado mais se enfatiza quando o seu próprio subconsciente interioriza que as empresas e as suas organizações associativas se encontram inutilmente dispersas e esterilmente divididas.
O resultado é bem conhecido. As instituições do Estado lidam por vezes com as organizações associativas como se as mesmas fossem entidades menores. E acabam muitas vezes por manobrá-las a seu bel-prazer.
Infelizmente é verdade. O Estado divide para reinar. E tem um êxito assinalável na prossecução dessa estratégia.
Donde decorre que aos olhos de todos – do Estado mas também da própria sociedade civil – emirja uma imagem de ainda maior fragilidade por parte do movimento associativo patronal e fundamentalmente das suas organizações de cúpula. O que infelizmente acaba por legitimar a cultura paternalista do Estado, pelo menos aos olhos de todos aqueles que não assumiram ainda verdadeiramente a importância de todas as dimensões de uma sociedade livre e democrática.
Esta espiral é verdadeiramente castradora da iniciativa privada. E tenho-me perguntado em diversas ocasiões qual a forma de a fazer inverter.
Não tenho a pretensão de guardar receitas infalíveis para o que quer que seja. Humildemente, porém, não posso deixar de ter a absoluta consciência de que os empresários em geral e os dirigentes associativos em particular não têm feito o que está ao seu alcance para alterar este estado de coisas.
E nesse contexto, não têm sabido sequer aproveitar os próprios sinais dos tempos.
Com efeito, apesar das debilidades a que fiz referência relativamente ao movimento associativo patronal português, paradoxalmente, os tempos actuais propiciam um reforço da importância das associações de empregadores e das organizações empresariais em geral.
É isso que sucede já na maioria dos países desenvolvidos e é isso que entendo que terá de acontecer em Portugal.
E passo a explicar porquê.
Ao longo do século XX, a vida pública nas democracias estáveis esteve sempre essencialmente assente nas dinâmicas dos partidos políticos.
Aliás, foi isso que sucedeu em Portugal a partir da revolução de 1974.
Mal ou bem, os partidos políticos lideraram as transformações sociais, promoveram as reformas estruturais, fixaram as doutrinas económicas e procuraram ser sempre os depositários das expectativas dos diversos grupos sociais.
Tendo em conta a sua legitimidade democrática – que é naturalmente inequívoca e inquestionável -, mas também o enorme leque de responsabilidades e competências que lhes passaram a estar associadas, os partidos políticos concentraram um poder excessivo.
Como verdadeiros eucaliptos, tenderam a secar todas as formas de poder que tentaram gravitar fora do seu espectro.
Limitaram-se a tolerar a existência de organizações que pudessem controlar ou instrumentalizar. E nunca resistiram à tentação de procurar abafar o exercício livre de formas alternativas de poder.
É sabido porém que este retrato está a mudar nas mais diversas vertentes.
Nos últimos anos, os partidos políticos passaram a ser muito mais escrutinados pela opinião pública. Deixaram manietar-se por querelas internas. Deixaram de ser motores da sociedade. Perderam dinâmica. Perderam capacidade de inovação. Abdicaram das causas e da ideologia em nome do pragmatismo. Preferiram as tácticas à estratégia. E passaram a exercer o poder pelo poder.
Em consequência, perderam genuinidade. Perderam credibilidade. Perderam prestígio. Perderam o respeito da maioria dos cidadãos. E estão a perder o poder.
É sabido que o poder tem horror ao vazio. Pelo que a questão que se coloca em termos estratégicos é a de se saber quem poderá, em nome e em prol dos cidadãos e das empresas, ocupar na sociedade o espaço que os partidos estão a deixar livre.
Na minha perspectiva, as associações de empresas e empresários têm um papel fundamental a desempenhar neste processo de partilha do poder.
Mas para tal efeito, terão de repensar a sua estratégia e a sua própria actuação, até porque seria verdadeiramente absurdo que, neste momento histórico, replicassem os erros de outros.
Assim, em primeiro lugar, entendo que as organizações empresariais terão de assumir-se como associações de causas.
Quando fui eleito Presidente da CIP, no início do ano, propus aos meus pares um programa baseado na defesa de 4 causas: o primado da economia de mercado, a aposta na indústria transformadora e nos bens transaccionáveis, a defesa das empresas e, por fim, a dignificação dos empreendedores e empresários.
São causas que obviamente nos motivam, que nos envolvem, nas quais nos reconhecemos e pelas quais vamos combater. Poderia mesmo dizer que são causas de tal modo evidentes que nem seria necessário enunciá-las, porque resultam e decorrem da nossa própria natureza.
Mas não foi esse o meu entendimento.
Defendi que deveríamos tornar claro o nosso pensamento e organizar a partir dessa identificação de valores as acções concretas e as iniciativas específicas a levar a cabo para concretizar esse programa.
Defendia também que a CIP deve, ao mesmo tempo, partiCIPar e anteCIPar, porque queremos ser uma CIP que promove a participação, uma CIP que anteCIPa.
Estas são causas agregadoras, que geram espírito de corpo e nos motivam e envolvem.
E quando digo que são causas que nos motivam e nos envolvem quero dizer que se trata de causas que já existiam antes de nós e que nos cabe agora assumir e valorizar.
Só se tivermos causas fortes e bandeiras bem identificadas teremos capacidade para não cair na tentação de exercer o poder pelo poder.
Em segundo lugar, em coerência com os seus elementos estruturantes, defendo que as organizações associativas empresariais têm não só de ser verdadeiramente livres como também de procurar disseminar nos seus representados uma cultura de liberdade.
Esse caminho somente poderá ser trilhado se for defendido que o Estado serve apenas para regular e fiscalizar a economia e não para a subsidiar. Que as empresas e as suas associações devem contar em primeira linha consigo mesmas. Que devem libertar-se da tentação de correr para a manjedoura do Estado. E que têm o direito de exigir em contrapartida que o Estado assuma todas as suas responsabilidades e obrigações aos mais variados níveis. Ou seja: que crie leis reflectidas e exequíveis; que faça a Justiça funcionar; que pague pontualmente o que deve às empresas; que proteja a inovação e a propriedade industrial; que reduza a burocracia; que acabe com os custos de contexto; que crie sistemas fiscais competitivos com os países concorrentes; e que, numa palavra, contribua com a sua quota-parte no esforço que a todos é exigido no sentido de se aumentar a produtividade em Portugal.
Em terceiro lugar, para além de defensoras de causas e de valores, entendo que as organizações empresariais têm de ser fortes e coesas.
Para tanto, todos teremos de estar norteados pelos mesmos objectivos, em torno de elos agregadores.
Deveremos dispensar as pequenas guerras paroquiais, naturalmente estéreis e divisionistas, que tanto nos têm consumido.
Precisamos sim de unidade e coesão, pois só assim seremos respeitados e só assim teremos condições para exigir com transparência que sejam salvaguardados os direitos de quem representamos.
Finalmente, é fundamental que as organizações empresariais saibam mobilizar permanentemente aqueles que representam.
Para tanto, as palavras-chave terão de ser a inovação e a proximidade, de forma a que possamos ser ágeis e dinâmicos no sentido de procurar antecipar as soluções que se colocam às empresas em particular e à sociedade em geral.
Sem pretensões, aqui fica o meu contributo para um debate de ideias que reputo como fundamental e que gostaria de ver aprofundado de uma forma verdadeiramente sistemática.
Sinceramente, estou convicto da bondade destas sugestões. Pelo que espero que nos ajudem a reflectir em conjunto na definição do papel que deve caber às organizações empresariais na sociedade portuguesa.
E que contribua para que as organizações empresariais possam cumprir melhor as suas responsabilidades em prol da riqueza do país, da competitividade das empresas e do bem estar dos cidadãos.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Falei-vos dos grandes desafios que temos à nossa frente e dei a minha opinião sobre o que me parece serem boas soluções para o futuro.
Estou certo que vamos ser capazes de vencer estes desafios.
Os nossos compromissos são com o futuro, não com o passado. São com o que falta fazer, não com o que está feito.
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